Artigo: (H)aja hoje para um amanhã e tanto: o futuro que todos desejamos - Por João Augusto Bandeira de Mello

20/11/2023 07:34


Artigo: (H)aja hoje para um amanhã e tanto: o futuro que todos desejamos - Por João Augusto Bandeira de Mello

Quem me acompanha aqui no Radar e nas palestras que profiro, sabe que tenho profunda admiração pelo escritor e poeta paranaense Paulo Leminski. E que várias vezes já usei seu famoso poema: “haja hoje para tanto ontem”, exatamente para ilustrar a série de dívidas sociais que temos, em termos de construção de um Brasil mais igual e inclusivo para sua população, em especial aquela mais vulnerável (e de como precisamos trabalhar muito para saldar estes débitos).

Temos sim muitas dívidas, e urgentes. Pessoas não alfabetizadas, alunos com aprendizado deficiente, desemprego estrutural, desigualdades de gênero, raciais, regionais e econômicas, doentes em filas de cirurgias ou carentes de remédios, déficits de infraestrutura, baixos índices de desenvolvimento, entre outras questões que têm obstado nosso projeto constitucional de cumprir sua promessa de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

São muitos “ontens”, onde a lógica de reprodução de um status quo viciado impede mudarmos de patamar em prol de um futuro alvissareiro que realmente homenageie os parâmetros de conduta de gestão pública e de resultados trazidos pela nossa Carta Magna de 1988. Daí a necessidade premente, portanto, de “hojes” transformadores, de disrupção, de mudança de tom e de inflexão, para que vençamos o passado que nos aflige, e caminhemos em prol do amanhã que queremos.

Sendo certo, pelo menos para minha experiência em gestão pública, que muitas vezes somos bons em ver o problema, mas temos dificuldade em ver a causa do problema, e maior dificuldade ainda, em atacar as causas aplicando soluções efetivas para resolver o problema (recentemente vi uma maravilhosa palestra do professor Vanderson Mélo, explicando isso).

O serviço público, onde as experiências vão sendo passadas de uma pessoa para outra através dos tempos (isto quando servidores estratégicos não escondem dados e possibilidades de providência para criar uma reserva de conhecimento e essencialidade, para que o servidor não perca, por exemplo, sua chefia ou seu protagonismo; ou o exato inverso, ao termos uma total troca de servidores a cada gestão, sem uma memória mínima do planejamento e execução de políticas públicas) pode criar, com a prática copiadora e reprodutiva (ou com a prática aniquiladora, destruindo a memória administrativa a cada gestão),  uma onda de estagnação de mesmas práticas, ao longo dos anos, enfrentando  os mesmos problemas, sem resolvê-los.

 A gestão e a própria lógica do controle, tendem a raciocinar como se políticas públicas fossem fotografias estanques, como se os eventos e causas fossem dados isolados; e muitas vezes aceitando que o fracasso é a regra, e não a exceção. Não é incomum concluir que se o procedimento cumpriu a lei, mas foi malsucedido em resultados, tudo bem. Não se exigindo em todos os casos o planejamento profundo, o acompanhamento contínuo, o monitoramento reflexivo, se há tendência ou não do resultado.

Esquecemos que o amanhã depende intrinsecamente do que fazemos hoje, dos diagnósticos precisos de conhecimento de onde estamos; da análise realista das metas que precisamos e podemos alcançar; e dos métodos eficientes que nos levem de cá para lá. Somos, portanto, enquanto seres humanos e agentes públicos, semeadores do futuro. É da nossa ação na sucessão dos “hojes”, entendendo a multifatorialidade das causas e dos resultados de nossas ações, é que será construído o nosso futuro.

Aliás, sobre este assunto – sustentabilidade e desenho do futuro, houve profundas discussões em nosso XV Congresso Nacional do Ministério Público de Contas, realizado pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas, em conjunto com o Tribunal de Contas da Paraíba e o Ministério Público de Contas do mesmo Estado, e com apoio decisivo da Uninassau e da Confederação Nacional da Indústria e outros parceiros.

Discutimos no conclave exatamente, nos mais diversos eixos de direitos fundamentais: meio-ambiente sustentável, direitos das pessoas com deficiência, saúde, educação, equilíbrio fiscal; como o amanhã é criado a partir de ações focadas e tecnicamente estruturadas para consecução dos resultados a partir do hoje. Peço, portanto, licença ao querido leitor e à querida leitora, para trazer ao presente artigo, um trecho de nosso discurso de abertura no aludido evento:

“Escolhi começar pelo final, ou melhor, pelo que acontece no fim. Não do fim que termina e se exaure em si mesmo. Não de um fim que signifique vaticínio, carta-marcada, destino; mas sim do que representa escolha; da conclusão que se apresenta em ciclos e que ainda, estamos escrevendo e reescrevendo neste exato e em todos os momentos. Do fim que não se limita e que ainda renasce. Ou seja, falo daquilo que, às vezes com esperança, às vezes com medo, chamamos de nosso futuro.

Porém, esclareço desde já que não venho falar de um futuro incerto, estático, inexorável, que de forma mágica vem nos surpreender a cada dia. Não. O objetivo desta oração, e ouso dizer, de todo este evento, é falar sobre o futuro que queremos, ou melhor, o futuro que devemos, enquanto seres humanos éticos, enquanto seres solidários, enquanto agentes de controle reverentes à Lei Magna Federal.

Este futuro que definitivamente não é uma loteria, e que é construído palmo a palmo, dia-a-dia, minuto e minuto, em cada ação, em cada escolha, em cada priorização, ou sendo mais técnico e específico para o múnus de governo, de gestão e de controle: o futuro que é elaborado a cada decisão alocativa de recursos, a cada desenho de política pública, a cada decisão do que vamos beneficiar no curto prazo e incentivar no longo prazo.

Como no livro a biblioteca da meia noite, ou no filme tudo em todo o lugar ao mesmo tempo, cada escolha de gestão ou de controle revela uma linha de causalidade que definitivamente não é aleatória, de maneira alguma. Ela é fruto de nossas ações, omissões, opções e ambições. O que causamos é fruto de nosso querer coletivo que direciona as condições do passado ao que temos hoje.

Neste sentido, nosso patamar de saúde, de educação, de ainda relevantes desigualdades sociais, de eventos climáticos extremos e de degradação ambiental, foram todos construídos por ações, omissões, opções e ambições que nos trouxeram até aqui. E construir resultados diferentes, demanda fazer escolhas muitas vezes diametralmente opostas a tudo o que foi feito até hoje.

Todos sabemos que o patamar de sucesso e de excelência em qualquer área de atuação humana depende do grau de dedicação e de comprometimento com a causa específica. Esforço e atenção, amor e entrega. Compromisso hoje e sempre. Que o digam os grandes artistas, os atletas renomados, os líderes respeitados, os servidores públicos que muito lutaram para chegar às posições que alcançaram.

Como diria João Cabral de Melo Neto, em seu poema Faca só lâmina (ou serventia das ideias fixas) é importante que a faca seu ardor não perca, tampouco a corrompa seu cabo de madeira”. Ou, voltando ao início, é importante honrarmos nosso dever ético inafastável com as gerações vindouras. Não podemos nos afastar de nossos objetivos de sustentabilidade em todas as suas dimensões.

Pois somente assim seremos reais curadores do legado humano, reais de defensores da constituição e da democracia; só assim garantiremos que a flecha unidirecional da evolução, entregue patamares de dignidade humana a nossos descendentes em patamares superiores aos que recebemos. (...)

(Sendo certo que nós, Procuradores junto aos TCs, como todos os servidores públicos somos sim semeadores de futuro). Em nosso olhar largo, multidisciplinar, conseguimos enxergar todas as dimensões que levam ao porvir com sustentabilidade. Controladores de contas, podemos atuar na sustentabilidade ambiental, fiscalizando as ações do Poder Público para prevenir desmatamentos, surgimento de áreas degradadas pela ação humana, em especial pela incorreta disposição de resíduos sólidos, para proteção dos mananciais hídricos e mitigação das mudanças climáticas.

Somos assim, também curadores do futuro, deste futuro que teima em continuar a procurar sua cura, apesar do desastre ambiental que vemos a cada dia... E, como a fábula do beija-flor, procuramos fazer nossa parte. (...)

Somos semeadores do amanhã, e podemos fazê-lo, atuando na primeira infância, na educação, na prevenção dos agravos contra a saúde. Não há futuro sem pessoas, e precisamos cuidar, de forma intersetorial e interdisciplinar, de cada habitante de nosso vasto território brasileiro. Não podemos negar a nenhuma criança ou adolescente todas as condições de possibilidade de que seja um adulto feliz, com sua dignidade garantida, com pensamento crítico, e emancipado da nefasta lógica de reprodução que ainda campeia entre nós. Semear o porvir é garantir a todos que nascem, serem protagonistas do próprio futuro(...)”

A onda de calor que tem assolado nosso país e o mundo, de maneira sem precedentes; a terrível seca na região Norte esvaziando rios e queimando nosso inestimável patrimônio florestal; e o terrível contraponto de inundações, como as que ocorreram recentemente na Região Sul, arrastando terra, bens, animais, pessoas, existências e sonhos; mostram que o “ontem” ambiental vai cobrando seu preço. E este preço é muito caro, em valor monetário, e naquilo que há de mais caro a todos nós: nossas vidas.

Não podemos ceder a um imobilismo determinista de que não há outra saída. Como na época da pandemia do Covid-19, a realidade mostra em sua face, o problema, e precisamos da ciência para entender suas causas. E, agir. Sendo certo que o mesmo raciocínio vale para todos os eixos de políticas públicas. Trazendo o exemplo da educação, sabemos que os baixos índices de conclusão do ensino médio, os precários índices de aprendizagem, e os repetidos fracassos da alfabetização na idade certa, decorrem de políticas e mobilizações deficientes ao longo de anos de conformismo com o sempre foi assim.

Neste prisma, urge fazer diferente. Semear um futuro diferente. E precisamos fazer isso HOJE. Isto mesmo, neste hoje com letras maiúsculas que representa as oportunidades que se renovam a cada dia de transformar a realidade vigente para adequá-la à promessa constitucional de 1988. Por isso, agradecendo e pedindo licença ao grande Leminski pela paráfrase, exortamos: “haja hoje, compromissado e focado, tecnicamente qualificado, e socialmente engajado, para fazer o amanhã constitucional que queremos e precisamos.

E, neste sentido, como todas as vitórias são coletivas, como o único momento de ação é o agora, e como é do comando do agir que vem a transformação, e precisamos ser protagonistas desta mudança: “Aja hoje, para que o futuro sonhado se torne realidade”.

Façamos, portanto, do momento nossa hora, e do agir nossa semeadura – e perseveremos, pois todo plantio demanda boa semente, solo fértil, cuidado e supervisão até a colheita (não se plantam bananas para colher melancias; não se abandonam lavouras esperando que elas cresçam sozinhas). Esta é a regra da causalidade, esta é a ordem da vida. Homenageando sempre o brilhante poeta: “ (H)aja hoje, para um amanhã e tanto: o futuro que todos desejamos”.

 

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